: Escrevo não porque sei, mas por gosto e impulso... E assim escrevo errado mesmo...

(E o conteúdo deste blog que não consta fonte, é de minha autoria...)

sexta-feira, 30 de julho de 2021

A greve dos alunos do Colégio Estadual Pedro Falconeri Rios

Posso estar mexendo num vespeiro, mas penso que a história quando registrada ou bem contada é justa, bem como essa mesma história não pode ser omitida para esconder erros e apaziguar sentimentos ruins. Se ainda dói, é porque ainda não aprendeu o que tinha que aprender e ainda não foi entendido e perdoado.
A mim não dói mais, e assim, vou contar uma história que eu vivi, como experienciei, explicar o depois, bem como o agora... Se minha mãe ainda estivesse aqui, talvez discordasse, mas bem que me ajudaria... Lá vou eu:

Em 1987, eu cursava a 7ª série do ensino fundamental, toda feliz na nova e própria sede do Colégio Estadual Pedro Falconeri Rios (autorizado pela Portaria n° 1.771/87, publicado no Diário Oficial do Estado da Bahia de 13.09.1987) quando em um final de semana de junho, vi uma grande movimentação das pessoas que estavam envolvidas diretamente com a direção do colégio, entre elas Tia Bete e minha irmã Da Paz que trabalhavam na diretoria / secretaria do estabelecimento, professores, alguns pais e mães de alunos, e óbvio que também minha mãe, proativa na educação de 02 das suas filhas que estudavam na unidade escolar. (Marta cursava o 3° ano do Curso de Habilitação para o Magistério).

A movimentação era a preparação de uma greve de alunos, que começou na segunda feira, 15.06.1987.

Com apoio de pais e alguns professores que cedidos pelo município trabalhavam no Colégio, os alunos mudaram cadeados e assim barraram a entrada de outros alunos e professores. Permitiam apenas a entrada de servidores estaduais com cargos para cumprirem carga horária poupando-lhes assim prejuízos salariais.

O motivo “real” da greve:
O governo estadual havia substituído a diretora geral do colégio por uma professora recém-contratada, que estava inserida em um grupo político adversário aos fundadores e atuais gestores do CEPFR e que haviam permitido e/ou colaborado com o fechamento do Centro Educacional Cenecista Martins dos Rios* em 1984.

Muitos alunos e pais acreditaram, viveram a greve e ainda afirmam, que o motivo da manifestação era apenas para defender a permanência da primeira diretora por preferência pessoal e política; esse aspecto também não deslegitima a greve: alunos têm esse direito sim; o que não faz a greve ter sido um erro, ser motivo de arrependimento ou que não deveria ter acontecido.

Durante 46 dias, alunos uniformizados, cumpriram seu horário escolar na frente da escola: ouviam e cantavam músicas em sua maioria religiosas e paródias alusivas à greve; vez por outra alguém fazia uso da palavra com avisos ou reflexões; e dançavam também: ao som de uma caixa de guerra, timbau e outros instrumentos rítmicos que tocavam o recém-nascido samba-regue da Bahia!

Havia sim aqueles que nutriam sentimentos ruins e se utilizavam de palavras de baixo calão para referirem ou se dirigirem aos que nos deram o motivo da greve. Mas eram combatidos e corrigidos por outros a exemplo de minha mãe que pedia sempre respeito e fé... Lembro que eu não soltava, e lia muito ao microfone o livro Minutos de Sabedoria, da autoria de Carlos Torres Pastorinho.

Era inverno e havia uma barraca erguida com flexas e coberta com lona na frente do colégio para proteger os alunos da chuva, frio e do sol que não nos abandona mesmo nessa época do ano.

Em uma sexta-feira, de céu limpo e sol forte, 31.07.1987, por volta das 10h30m eis que surge na Avenida Pedro Falconeri Rios, carros com pinturas de viaturas (sem placas) e homens fardados (sem distintivos nominais) e armados como policiais! Aproximaram-se do barracão à frente do Colégio para onde os alunos presentes imediatamente se posicionaram com respeito cantando o Hino Nacional Brasileiro e fazendo orações, e ainda assim foram surpreendidos com a ação dos homens fardados que usando de força bruta tentaram ultrapassar a barreira de alunos e entrar no colégio pelo portão principal. Derrubaram a barraca com violência sobre a cabeça dos alunos e machucaram crianças, adolescentes, jovens e adultos como se nem humanos fossem. (Marta trazia em seu pescoço um nosso sagui de estimação que gritava muito e isso irritava ainda mais os tais homens.) Exigiam a chave do cadeado que nem lá estava, pois a guardiã desta havia levado consigo em uma ida à rua. Havia um sistema de alerta para os que estavam distantes, a sirene que tocava as aulas e os intervalos que teve um interruptor instalado ao alcance de um braço longo próximo ao portão principal e estava sendo tocada insistentemente, quando um dos fardados solavancou o braço de quem o fazia que quase lesionou gravemente. Mas o efeito de aviso foi alcançado e muita gente já estava vindo de todos os cantos da cidade para próximo ao colégio. Minha mãe logo veio, trazendo meu irmão por companhia! Os homens armados apontavam armas e ameaçavam atirar caso alguém se aproximasse e se juntasse ao grupo que estava junto ao colégio. Até que um pai corajoso e seguro de seu direito, desafiou a arma e correu para junto de seus filhos não indo sozinho. (Minha mãe também se aproximou de nós e meu irmão resgatou o pobre do sagui levando-o pra casa!) Vi também uma professora municipal grande apoiadora da greve, dar um passo adiante e dizer “atire” a um homem que a ameaçou. Como ele não o fez, ela também se juntou a nós.

O dia inteiro foi como um ato terrorista para nossa pacata Pé de Serra: as pessoas traziam água, comida, agasalhos, guarda sol para os alunos e pais que resistiam em ceder que entrassem daquele jeito no nosso colégio... Até lencinho molhado nos deram pois os homens armados falaram até de jogar bombas de gás lacrimogênio. Alguns pais e alunos tiveram braços e corpos muito feridos por apanharem com coronhas das armas quando ficaram abraçados ao portão segurando-os para que não fossem arrombados.

Havia alguns momentos de pausa... e tantos outros de tensão...

Houve quem tentasse registrar esses momentos em fotos, mas teve a máquina confiscada e pisoteada bem ali. Era um fotógrafo amador que até ganhava dinheiro com seu equipamento.

Muita gente se aglomerou à frente do colégio e houve até plateia: quem veio só assistir o ato de violência e que pareceu naquele momento se divertir sem dó nem piedade dos conhecidos e seus filhos que estavam sendo violentados. Os que desejavam adentrar o colégio também vieram e ficaram à distância...

À tardinha, já escurecendo, resolveram quebrar os cadeados dos portões ao fundo do colégio; entraram, e até fumaça se viu...
...

Após isso, os que ainda resistiam foram pra casa, tentar superar os traumas daquele dia e continuar suas vidas...
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Escrevendo, relembro o sentimento meu, de minha mãe e dos mais próximos: muito forte e doloroso... Demorou para que eu não sentisse medo ao ver um Policial... E sei que muitos sentiram como e até muito mais do que eu.
Muita gente narraria com muito mais detalhes... E muitos outros sentimentos desabrochariam e estão sendo despertados agora...

A manifestação na frente do colégio parou, mas os alunos não retornaram as aulas; não havia clima emocional que permitisse a continuação e o ano letivo foi perdido para a grande maioria dos alunos, exceto por uns pouquíssimos casos particulares que penso não vir ao caso agora...
...

Ano seguinte, 1988, os pais e alunos grevistas cederam e foram fazer as matrículas; viveram e reviveram momentos de mais tensões emocionais. Minha mãe contava que respondeu a alguém que foi ríspida e irônica com ela, dizendo entre outras coisas que “mesmo ferida, lá estava, pois, águas passadas não moviam moinhos...”. E foram adiante!

Junto ao anúncio da data início do Ano Letivo, foi também avisado que as aulas não aconteceriam no Colégio Pedro Falconeri Rios e sim no Colégio Rui Barbosa!

Mais revolta e reuniões; muitos pais e alunos não aceitaram e buscaram alternativas: eu estudei 7ª e 8ª séries e Marta concluiu o ensino médio em Riachão do Jacuípe. E não íamos sós. Em 1988 eram 02 grupos, um pela manhã em transportes coletivos e um ônibus cheio a noite. Já 1989, apenas um ônibus cheio a noite! Amei a experiência! Lugar, escola, colegas e realidades diferentes! Valeu muito a pena!

Contudo, um bom número de alunos, aceitaram estudar no Colégio Rui Barbosa e possuem seus históricos escolares como que de fato estudaram em tal colégio, e não no Pedro Falconeri Rios em que foram matriculados.

O prédio do CEPFR ficou 02 anos funcionando apenas com o Nível Fundamental I, mas sem o Fundamental II e o Nível Médio que eram alocados no Colégio Rui Barbosa.
Houve reunião para que apenas um desses 02 colégios funcionassem em Pé de Serra, com um largo debate e apresentação de motivos, mas que ao final, o Colégio Estadual Pedro Falconeri Rios sobreviveu a tudo isso pela vontade da maioria dos presentes na reunião, bem como por possuir toda a documentação necessária em plena regularidade, o que faltava ao Colégio Rui Barbosa.

Em 1990, tudo voltou a ser como antes, e com a primeira diretora do CEPFR de volta ao cargo.

Os profissionais ligados ao Rui Barbosa bem como a diretora substituta e depois (re)substituída foram integrados ao corpo docente do CEPFR e construíram uma linda história de amor à educação que hoje é Patrimônio Imaterial de Pé de Serra! Quase todos foram meus professores, e hoje são pessoas que amo e os tenho em alta consideração! Respeitados e admirados por todos de minha família e eram por minha mãe, sendo que todos honram a sua memória!

Erros não podem ser apagados, mas permitem perdão, reconciliação, aprendizado, e construção de novos relacionamentos cheios de gratidão, o que aconteceu no tempo necessário para tal!

Essa história também foi registrada em reportagens do jornal impresso Tribuna da Bahia, nas edições de 17 de junho de 1987 pág.6, e de 07 de agosto de 1987 pág.11, que circularam na época, minha mãe sempre guardou e eu os mantenho.

Segue imagens dos Jornais e das reportagens, que com a maravilhosa colaboração de Da Paz e do próprio Tribuna da Bahia por meio de seus servidores, fizeram a busca das edições e as fotografaram para que eu as divulgasse com uma boa qualidade.

Jornal de 17 de junho de 1987 pág.6 
(Clique sobre a foto para ampliar)
 
Recorte do Jornal de 17 de junho de 1987 pág.6 
(Clique sobre a foto para ampliar)

Jornal de 07 de agosto de 1987 pág.11
(Clique sobre a foto para ampliar)

Recorte do Jornal de 07 de agosto de 1987 pág.11 
(Clique sobre a foto para ampliar)

Sempre discordei que essa história ficasse omitida ou esquecida. Isso aconteceu. Faz parte da história do CEPFR e da educação de Pé de Serra. Muita gente vivenciou essa experiência que acredito que deve ser lembrada sem mágoas, mas com as devidas honras de quem viveu, sentiu, lutou, sonhou, sobreviveu e tem suas memórias afetivas!

Assim, resolvi contar essa história com o coração cheio de amor, perdão, e até gratidão, por todos os envolvidos, tanto que omiti nomes evitando assim que minha narrativa tivesse um aspecto sentimental, mas apenas experiencial. 
Citei os nomes de Da Paz, Marta e Tia Bete autorizadas pelas mesmas, e as quais pedi para lerem esse texto antes de publicar para corrigirem ou lembrarem de algo relevante; tendo em vista a idade que eu tinha quando vivi a greve e os fatos próximos e/ou decorrentes.

Vivi e contei!
Escrito entre 29.03.2021 a 14.07.2021, intencionalmente para ser publicado em 31.07.2021, exatos 34 anos do dia do fim da greve.
Estou leve e em paz.


*Colégio construído pelo povo de Pé de Serra que funcionava onde hoje é a Prefeitura.

31.07.2021

9 comentários:

  1. Meu Deus!!! Que texto gostoso de ler. Como é maravilhoso, no meu caso, saber da história, pra outros, reviver esse momento. Não deve mesmo ficar esquecido!!!
    Parabéns, Gabi!

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  2. Seria massa se colocassem essa história na biblioteca do Falconeri.

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  3. Parabéns, Gabi! Excelente trabalho

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  4. Que história incrível! Seria mais incrível ainda trazê-la para o novo Pedro, uma parede do colégio ou um local específico para expor boa parte da história e acontecimentos desse colégio incrível! 🩵

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  5. Então, Lívia Suzane! Sugere à Direção do CEPFR! rs
    Disponibilizo o que eu possuir!

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  6. Que história incrível. Que texto maravilhoso. Parabéns, Anita Garibalde por proporcionar as novas gerações histórias da nossa querida Pé de Serra 👏🏼

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Hum! Vai comentar!
Só vou saber quem você é, se colocar seu nome.
Agradecida!