DECLARAÇÃO DE AMOR
Por Clarice Lispector
Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela
não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo
pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com
um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa
linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um
verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das
coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.
Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado.
Às vezes se assusta com o imprevisível de uma frase. Eu gosto de manejá-la –
como gostava de estar montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes
lentamente, às vezes a galope.
Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas
minhas mãos. E este desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais
não bastaram para nos dar para sempre uma herança da língua já feita. Todos nós
que escrevemos estamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê
vida.
Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do
encantamento de lidar com uma língua que não foi aprofundada. O que recebi de
herança não me chega.
Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever, e me
perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso
e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro
para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter
aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse
virgem e límpida.
Extraído (tanto o texto quanto a imagem) da fanpage facebook Língua Portuguesa.
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